18 de abril de 2006

Quanto Vale uma Prega a Mais no Cu?

Sobre a falta de quorum na Assembleia da República, ocorrida no dia 12 de Abril de 2006, na sequência da ausência de 120 dos 230 deputados. Possivelmente em trabalhos de preparação da quadra pascal.

É assim na Assembleia da República porque sempre assim foi. Ponto.
É assim na Administração Pública porque sempre assim foi. Ponto.
É assim, em suma, na fábrica x, no gabinete y e na escola z, porque sempre assim foi e não se perscrutam razões suficientes para alterar um cómodo status quo, irreflectido, mecânico e irracional.
Mesmo que sejam organizações e entidades modelares do funcionamento da coisa pública portuguesa, cujo exemplo de responsabilidade deveria ser inquestionável. Mas não é.

Este [pobre] grau de compromisso não é mais do que o reflexo de uma disposição orgânica assumida e reproduzida nas organizações, cuja continuidade encontra nas «elites» o seu principal instigador. Ou seja, na própria sociedade portuguesa, nessa grande comunidade de opinion makers… Nas «elites» porque em Portugal as «elites» estão disseminadas até à célula familiar. Neste tugúrio, os cinco minutos de tolerância para uma reunião foram sem problemas, alargados para a hora e meia. Mas este desleixo é tanto mais profundo e inculcado no referencial de responsabilidade luso, quanto alguns dos factores que lhe estão na origem, encapuçando sobejas vezes aquilo que é a gestão perniciosa daquilo que são os interesses e racionalidades instrumentais e o status quo que permitem resguardar: «assim governamo-nos a todos…».

Uma tal referência orgânica que é assimilada num complexo mais amplo de valores, costumes, artefactos, formas de agir, pensar, etc., a que se dá vulgarmente o nome de cultura. Cultura organizacional, cultura cívica, enfim, a cultura de um povo.

É assim… porque é! E porque a motivação para o combater e para nos desembaraçar desta enraizada e religiosa resistência à mudança é residual, incipiente, inodora, incolor e inócua. Para além disso, dá trabalho.

Continuemos pois com os enxovalhanços em surdina pelos cafés, fazendo jus ao adágio popular: «vozes de burro não chegam ao céu». Eles [os que exigem sacrifícios e compromissos das populações que os elegeram] continuarão a faltar às sessões no hemiciclo, a inviabilizar votações, a contornar a lei fiscal, a circular fora dos limites de velocidade previstos no Código da Estrada, a receber favores devidos, a promover clientelismos, a reproduzir nepotismos, a buscar no Estado a auto-promoção e a gozar de privilégios escandalosos.
Tudo isto com a convicção reforçada e alargada de uma impunidade que lhes assiste por direito divino, pela «prega a mais no cu» que pensam ter em relação ao resto da «escumalha» que os elege. Convicção de impunidade.

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