2 de maio de 2006

Até Parece Mal...



Nicolas Poussin, The Spring - Adam and Eve in Paradise, 1660-1664
Os raios de sol, já altos,
Apaziguam fraternalmente a terra fresca,
Revolvida agora por feixes ultravioletas,
Em continuadas marés de flores.
Cabeços tingidos de múltiplas cores,
Registam a intensidade dramática,
De um arrebatamento imedível,
Acirrado pelos aromas a alfazema, esteva e rosmaninho.
Lá fora, pululantes e instintivos,
Os seres acasalam sem razão, febris.
Os jardins clamam por gente,
Alvitram-se ruidosas gargalhadas,
Intempestivos piropos são desprezados com um sorriso nos olhos,
São serenas as brisas que moldam os corpos às sedas esvoaçantes,
E num singular momento,
Abrem-se os semblantes e é escorraçada a carga invernal.

Enquanto isso, umas poucas criaturas encalacram outras muitas, em miseráveis e cinzentos cubículos, colam-lhes enxadas e escopos nas mãos à torreira, confiam-lhes tarefas absurdas e pecaminosas, programam-se necessidades fisiológicas, condicionam-se as vontades. Incute-se-lhes apenas uma ilusão de sobrevivência. O trabalho liberta. Sobretudo as poucas criaturas. Liberta também esses campos, esses jardins, da atrevidota chusma com desejos de primavera…

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