30 de maio de 2006

Porque os Deuses Também Já Foram Homens

- Porque razão o fizeste?
- Não me parece que qualquer tipo de justificação possa repor fosse o que fosse, devolver-me o passado. Além do mais, não tens nada a ver com isso.
- Bem sei… porém, como passaste também tu, a ser meu hóspede… pensei que, talvez… me obsequiasses com uma explicação, como sinal de reconhecimento pela minha hospitalidade. Sem estar a exigir nada de ti, naturalmente. Nós por cá costumamos proceder assim, com desinteressada cortesia. E fazemos gosto em receber… / Tudo bem! Mas, não és tu, o que se arroga tudo saber?!
- Pretendia apenas ouvir a tua versão dos acontecimentos, as tuas motivações. Mera curiosidade, nada mais. Sim, reconheço que talvez o meu íntimo seja movido pela necessidade de fazer um juízo… / Um juízo… bem sabes que no que toca aos factos, pouco ou nada há a acrescentar. Tudo o mais é absolutamente redundante. Irrelevante. Uma perda de tempo! Do teu precioso tempo.
- Será? Acreditas realmente nas tolices que dizes? De resto, ouvi dizer que buscavas aqui algo. É certo?
- Ouviste mal, então! Quanto muito, procurava-te a ti! Miserável, existes afinal…
- Vá lá… sê razoável. Não precisas desconversar. Sei muito bem que por mim não nutres a melhor estima. As coisas são como são, não há nada a fazer em relação a isso.
- Sabes que mais? Nem sei porque me dou ao trabalho. Desprezo-te! Odeio-te!
- Sim, compreendo essas tuas atitudes primárias e irreflectidas. Compreendo essa tua arrogante e amarga intolerância. Contudo, algo te impele a manter esta conversa comigo. Há algo em mim que te interessa, que te interessa verdadeiramente. Uma atracção que te é irresistível, abissal, auto-destrutiva também…
- Isso, só a mim diz respeito. Queres o quê, com esse tom de compaixão, com essa conversa miserabilista? Porque razão o fiz? Não, não foi por ti nem para confirmar esse teu ar sobranceiro. Fi-lo por mim! Para satisfazer os mais egoístas caprichos de uma existência insana e insaciável. E depois?! Fi-lo porque tinha perfeitamente claro onde e como o fazer. Dominado por uma rara precisão, absorto numa tal lucidez, capaz de desvendar o mais insondável dos mistérios e rasgar a Verdade em pedaços.
- E achas que… / Não percebes que és tu o responsável, tu com essa tua magnânime e infindável condescendência perante os que te não dignificam, como eu? Tu, que desafias a probidade dos que em ti confiam? Tu, que dás com uma mão e tiras com duas?
- Sim, compreendo… novamente! Presumi-o no momento em que por aqui te vi. Assinalei-o nesses espelhos do teu ser que ostentas nas órbitas, quando ainda não passavas de um garoto. Acentuou-o a vida. Da qual és o único responsável. Para mim já me bastam essas considerações. Muito embora ser meu, aquilo que por mim te é dado! Não podes substituir-me naquilo que são as minhas decisões. E sentenciou com voz gutural - Sim! O que buscas está cá, à minha guarda. Como tu! És agora livre. Vai e cumpre o que aqui te trouxe..

1 comentário:

Anónimo disse...

- Ora então tu és isso? Quem diria… nunca tal me passaria pela cabeça!!!! Afinal a tua demência está mesmo em estado muito avançado!

- Mas porque concluis tal disparate? Demência? Ainda por cima em estado avançado?!!! Não conseguirás tu construir qualquer argumento capaz de explicar o facto que a ti te choca?

- Claro que consigo. Pareço-te oco de ideias e conhecimentos? Pois se não, reflecte apenas no porquê da minha redutora afirmação…
E, meu caro amigo, neste plano o choque dura apenas o tempo real do acontecimento; imediatamente surge a busca de uma aceitável explicação para o meu universo.
Já não sou uma criança, apesar de odiar de sobremaneira a mania da maturidade.

- Não entendo. Ainda para mais viras agora tu o jogo. É mesmo típico de pessoas como tu….

- Tão típico quanto a existência de marionetas de pau a deixarem-se conduzir por regras de mãos alheias – pessoas como tu que legitimam afirmações redutoras vindas de pessoas como eu.
As afirmações redutoras servem aqueles que desejam ser compreendidos, aprovados, aclamados e desejados embora pontapeiem quem ouse pronunciar um leve “amem”.

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