10 de julho de 2006

Zidane Também Já Foi Um Homem

Os grandes jogadores são-no para o bem e para o mal. Tal como os grandes políticos, os grandes guerreiros e as grandes donas de casa. Os capciosos comentadores desportivos (pelo menos os da rádio), do alto desse pedestal de ouro em que se acham, lá iam esfolando o Zidane, depois de já o terem empalado. A atitude do francês (cabeçada num adversário) não é obviamente correcta mas pouco importa que a tenha desferido numa final do Campeonato do Mundo ou num inócuo jogo de preparação com o Alcabideche. Não importa mesmo nada. Tal como não importa que o tenha feito na sua despedida da selecção nacional. Fê-lo, e pronto.

Da mesma forma que tramou os portugueses uma série de vezes e outros tantos adversários, com os seus passes milimétricos, a sua cultura táctica, ora com a bola colada aos pés, ora desferindo certeiros remates. Zinedine Zidane foi, enquanto jogador de futebol, um dos melhores de sempre, muito provavelmente o melhor da sua geração.

A marrada é reprovável, sobretudo quando vinda de um profissional pago a peso de ouro. Contudo, essa indignação piolhosa exteriorizada por muita gente que nunca praticou desporto de competição mas que anda na sua órbita – rasteira e parasitariamente – é desproporcional e excessiva (chegou-se a ouvir a palavra «hediondo»). Essa desmesurada indignação traduz uma frustração primordial: a obsessão com a perfeição.

O Deus Zidane é no campo um mito. Criado e alimentado à custa do seu jogo quase perfeito. Uma forma de jogar à medida dessa obsessão, ritualizada, amada. A experiência metafísica é reificada nos seus pés e na forma como lê o jogo. Ontem, qual entidade meta-empírica adorada, Zidane traiu os seus seguidores ao romper com o maravilhoso mundo do sonho, onde tudo é perfeito e no qual queremos participar, tocando esse deus. Esse deus, que um dos comentadores classificou afinal, como possuindo os pés em barro. Esta expressão demonstra claramente a profunda decepção e ultraje sofrido ao constatar em directo e com a companhia de milhões de telespectadores em todo o mundo, que Zidane é e nunca deixou de ser um ser humano.

Será este o preço a pagar por alimentar e viver num mundo em que as emoções são exacerbadas ao limite, ultrapassando sem dificuldades a fasquia da irracionalidade, extremando assim os humores e a fé?

Por agora, uma coisa é certa: Zidane nasceu e morrerá homem.

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