4 de dezembro de 2006

Dia Mundial de Luta Contra a Sida

A simbologia do dia 1 de Dezembro é variada e patrimonialmente rica. O imaginário deste dia remete-nos indubitavelmente para a restauração da independência em 1640 face à dominação filipina, mas também para aquela jornada mítica e emancipadora [refiro-me em particular aos jovens de Évora], para quem a noite do 1º de Dezembro significava bem mais do que a tradicional comemoração do dia do estudante.

Emancipação e libertação. Duas palavras-chave para referenciar esse dia no imaginário colectivo. Estas duas condições representam, em contrapartida, justamente o inverso para um indivíduo portador de vírus HIV, o qual, não obstante uma eventual e inamovível força de viver, ver-se-á doravante irremediavelmente ligado ao conceito de prazo encurtado. E amplamente condicionado pela assimétrica condição de um sistema imunitário subitamente enfraquecido.

No passado dia 1, comemorou-se o Dia Mundial de Luta Contra a Sida. Por princípio recuso a instauração destes «dias mundiais», todavia reconheço a sua importância num mundo mais movido por publicitação do altruísmo e filantropias do que pela interiorização desinteressada de princípios e valores de solidariedade. Em todo o caso, funcionam como alertas, pelo menos nesse dia…

Por esse motivo, foram também nesse dia divulgados alguns resultados da avaliação ao Plano Nacional de Luta Contra a Sida, para o período compreendido entre 2004 e 2007. Na edição do jornal Público de 1 de Dezembro, foi referido que «a maioria das metas não foi atingida», começando naturalmente pelo número de casos diagnosticados.

Mas, se as medidas integradas neste plano nem sequer contiveram o aumento do número de casos diagnosticados (segundo as estatísticas, ocupamos «orgulhosamente» o 2º lugar no ranking dos novos casos de infecção diagnosticados por milhão de habitante), há uma questão que importa e deve ser feita: o que foi feito com o dinheiro investido e qual o alcance, ao nível da eficácia, dos meios utilizados?

Impõe-se, pois, uma avaliação e uma responsabilização personalizada e institucional: quem falhou e porquê, quem teve sucesso e porquê. Não basta dizer «fizemos os possíveis mas não deu, e tal…». Ao indicar a necessidade de uma avaliação e monitorização dos resultados, digo-o apenas porque me recuso a admitir como avaliação rigorosa, o remanescente das declarações de Henrique Barros (coordenador nacional) e das divagações jornalísticas, por vezes irresponsáveis.

Para aferir o cumprimento das metas inicialmente propostas, não nos podemos ater aos indicadores actuais sem ter um ponto de partida. Um exemplo: em média, a primeira consulta após o diagnóstico demora entre 2 a 3 meses. É insuficientemente fraco. Contudo, nada me diz que há 3 anos atrás demorasse 5 dias ou 5 meses. Qual o nível de acerto destes valores?

Do mesmo modo, não me parece perfeitamente claro recorrer a estatísticas de tempos de espera (em que condições foram produzidas?) quando é o mesmo Henrique Barros a sugerir como «erro básico» na ineficácia do regime de declaração obrigatória, uma suposta negligência dos clínicos na notificação de pessoas infectadas, os quais partirão vulgarmente do pressuposto que algum colega já notificou antes. Esta, parece-me uma generalização demasiado prolixa. Tenho dúvidas sobre qual a classe de médico que ignora um caso, mas não subsistem dúvidas de monta sobre a crónica incapacidade comunicativa e de triangulação de informação dos serviços públicos.

De qualquer modo, são declarações potencialmente espúrias, porque o valor de algumas delas, constructos de verdades e verosimilhanças, é ferido de validade e objectividade. E esta ligeireza é extensível a outras matérias e outros órgãos de comunicação social, que se permitem publicar verdades para milhões de pessoas (em potência), sem que se verifiquem garantias de rigor, reflexão e espírito crítico nas redacções de alguns meios de comunicação social. E o jornal Público até é dos menos maus.

Ainda assim, esta dificuldade de rigor nos media é, admitamos, acompanhada pela dificuldade do Estado em atingir metas por si próprio lavradas, como é o caso da lentidão processual verificada na aprovação pela Assembleia da República do diploma que permite a troca de seringas nas prisões. Três anos à espera após a recomendação…

Prepara-se um novo plano, com objectivos a atingir até 2010. Será também conveniente que a sua avaliação seja transparente e rigorosa. Mas acima de tudo, que o 1º de Dezembro seja cada vez mais uma referência de libertação e emancipação.

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