23 de janeiro de 2007

Você Sabe, Você Decide

Os subscritores do pedido de habeas corpus a requerer a libertação imediata do Sargento Luís Gomes ficaram perplexos com a mobilização de milhares de pessoas em torno da causa, que resultou na recolha de 10000 assinaturas, com vista à fundamentação de tal pedido.
E teriam realmente razões para isso, caso este acontecimento não revelasse contornos novelísticos tão ao gosto de beatas urdidoras enterradas entre as brasas e o tampo da camilha, em lamuriento pranto. E tantos outros. Por isso, é de esperar que nos próximos dias a turba acometa às ruas para vaiar o tribunal, linchar o progenitor da criança, extraditar a mãe biológica e glorificar aos céus o Sargento Luís Gomes & Esposa Lda. Neste argumento só são admitidos finais felizes porque infelizes, já bastam os da vida real.

Perante este tipo de reacção melodramática, talvez a mobilização futura de cidadãos em torno de debates e problemáticas que lhes são comuns, deva passar pela novelização dos temas, com enredos densamente imaginativos, personagens apaixonantes, catarses arrítmicas e desenlaces aplacantes de tanta tensão concentrada.

Para além disso e para que todos nos certifiquemos que o serviço público é efectivamente cumprido e garantido no debate sobre a interrupção voluntária da gravidez, há que exortar os apoiantes do Sim e do Não a criarem as suas próprias novelas. A da criança que havia de ter nascido e brincado com os seus irmãozinhos em harmonia, se não tivesse uma mãe má e ateia. E a da criança vítima de maus-tratos que um dia acabou dentro de um saco de plástico nas imundas e frias águas do Tejo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Desde o debate de ontem à noite sobre adopção que a minha mente está num turbilhão.
Por acaso vi que neste espaço também se pensa sobre o assunto, pelo que deixo aqui o contributo do malmequers (post e anexo):

DOGMA PESSOAL
Família é a que ama, não apenas aquela que gera!
Acresce só uma questão: quem é que avalia?

...

A mente não para e, não consigo controlar algumas ideias, algumas questões:
- Onde estava o pai no momento em que soube (mesmo com todas as dúvidas) que poderia ser pai?
- Onde estava o pai no momento de registar a criança?
- Onde estava o pai no momento em que a mãe desesperada, decidiu que a felicidade daquela criança poderia não ser ao seu lado?(decisão que deve de ser penosa)
- Onde estava o pai????
Outra questão prende-se com a adopção, e esta é cada vez mais recorrente na minha mente, porque ponho a hipótese de o fazer: a ligação afectiva e a convivência com a criança (e esta pode ser uma visão egoísta) pode ser interrompida a que título? por quem?
Começo a perceber quando os meus colegas a título de brincadeira dizem que adopção só na China, e a uma família sem recursos, não aconteça que um dia acordem e se lembrem dos "seus" direitos.
Por outro lado sou mãe biológica e não gostaria de me ver privada da condição de mãe por uma qualquer decisão.
Tanta complexidade...
e, esquecemo-nos que aquele pequeno ser apenas quer amor e, esse eu acredito que posso dar.

Um abraço,
malmequers

Anónimo disse...

Passaram mais uns dias e, nem de propósito, na XIS n.º 395 de 27/01/2007, a crónica do Prof. Daniel Sampaio é tecida em torno do "supremo interesse da criança" e na avaliação deste por parte de juízes e instituições. Sem qualquer rodeio este conceituado técnico afirma a incapacidade de juízes e de assessores especializados na elaboração de uma avaliação global da situação da criança, base a partir da qual se desenha a decisão técnica. Vale a pena espreitar...e reflectir.
Malmequers