24 de janeiro de 2008

Raskolnikov e K são dissemelhantes

As diferenças entre Raskolnikov e este “K” são a natureza do crime cometido e as necessárias motivações, a montante.
O personagem russo reconhece o acto e ancora-o numa ideologia, enquanto o segundo sofre duplamente as externalidades desse acto. A derradeira atitude deste “K” aproxima-o da densidade psicológica de Meursault (O Estrangeiro, de Camus) quando este atinge mortalmente o árabe (é um ou o outro, ao contrário de Raskolnikov) e, posteriormente, quando se submete a uma execução sem se dignar ser defendido por ninguém que não a sua própria vontade. A partir do momento em que mata o árabe, Meursault passa finalmente a ser dono do seu destino, tal como este “K”, depois de se ver envolvido e condenado num processo que não compreende.

2 comentários:

licínia disse...

À voz da justiça, continuo a preferir a voz da consciência; aquele sentimento íntimo que nos desperta para nós mesmos, nos permite conhecermos melhor os nossos actos, aprovando-os ou reprovando-os...

João disse...

concordo plenamente com essas dissemelhanças!

para realçar ainda mais as diferenças entre os dois personagens, observo que para K. o maior problema reside no mundo que o rodeia (ou talvez na forma como ele o interpreta), enquanto que para Raskolnikov, o maior problema é a infindável batalha titânica entre a sua consciência e a legitimidade moral no momento do crime. seja como for e em qualquer um dos casos, é a intensidade com que cada um se interpreta a si próprio envolvido nos contextos descritos, que faz destes dois personagens (tal como o estrangeiro de camus que referiste), dos personagens mais interessantes que já tive a oportunidade de conhecer.

parabéns pela eloquência e riqueza deste modesto labor e um obrigado pela partilha.

até um destes dias,
joão.