21 de maio de 2008

Estudo ou Plano de Acção?

A Câmara Municipal de Évora encomendou um trabalho à Parque Expo, no qual, através da SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana), são vertidas múltiplas propostas de intervenções no casco velho da cidade.

Por solicitação do Grupo Pró Évora, o Estudo de Enquadramento Estratégico do Centro Histórico de Évora está a ser debatido ao longo de várias sessões. Apesar do carácter não vinculativo, a autarquia disponibilizou-se em participar através da SRU.

Ontem, com o enfoque na reabilitação, construção/demolição, habitação e turismo, parece ter ficado claro que afinal, o documento apresentado há uma semana nem se trata de um estudo, nem de um plano de intervenção. Pelo menos, foi isso que ficou latente nas palavras do Administrador da SRU, Arq. Jorge Pires. Titubeante, nem admitiu que se trata de um plano de acção com plano de investimentos esboçado nem, por outro lado, refutou categoricamente a terminologia do estudo exploratório. Quanto ao primeiro aspecto, parece que se chegou ao valor redondo de 270 milhões de euros, 170 dos quais, assegurados pelos privados.

Há aqui um aspecto que merece especial atenção. De onde se espera que salte essa avultada quantia? Mecenas? Uma parte, talvez, nas parcelas mais apetecíveis. Não no casario. Admitindo que também se considera investimento privado as obras a realizar pelos proprietários dos imóveis, teremos que passar à fase seguinte: quais os proprietários que estão em condições de anuir, num prazo de 60 dias, com a apresentação de um plano de recuperação financeiro e arquitectónico dos seus imóveis? Caso contrário, o investimento será assegurado pelas empresas de construção civil, com as quais a SRU tencionará, nos termos do Decreto-Lei 104/2004 de 7 de Maio e da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, recuperar os imóveis entretanto expropriados por utilidade pública. Basta um punhado deles que para assegurar uma boa maquia desse investimento. A começar pelo Palácio dos Estaus, em plena Praça de Giraldo, facilmente vendável por vários milhões de euros. Será que a SRU está preparada para enfrentar as consequências, caso enverede por essa solução?

Ontem, gostei particularmente das intervenções das arquitectas Aurora Carapinha e Margarida Cancela de Abreu. Até porque nunca as tinha ouvido. Pela oportunidade, pela irrepreensibilidade técnica/académica e pela vontade em se disponibilizarem civicamente para este tipo de iniciativas. E agradeço a lição.

Independentemente do tipo de modelo que subsidia o estudo/plano e o respeito pelas especificidades de uma malha urbana como a de Évora, teremos que recuar substancialmente a montante, para tentar compreender onde cabe o conceito «Estratégico» neste estudo/plano. A definição de uma estratégia faz-se a um nível supra-operativo, se quisermos, assente na observação tendencialmente objectivada e sistematizada da realidade, devendo ser validada por mecanismos rigorosos antes de entrar na esfera de decisão política. Hoje, não se decide correctamente sem indicadores e o conhecimento é, mais do que nunca, poder.

Ora, o planeamento estratégico não se faz sem metas, claras e mensuráveis. A questão formula-se de uma forma muito simples: o que é que se quer para Évora? Até quando? Como? A partir daí, formulam-se objectivos, actividades e meios de avaliação. Sem esquecer que esta é uma intervenção que ultrapassa largamente a esfera do urbanismo, acantonado e mumificado nos seus saberes específicos.

Tal raciocínio estratégico não parece ser claro quando, por exemplo, se pretende incentivar modos de vida saudáveis e boas práticas ambientais em simultâneo com o aumento dos lugares de estacionamento para veículos motorizados no interior das muralhas, sem assegurar meios complementares de mobilidade, nomeadamente os transportes colectivos ou o fomento da utilização de meios de transporte não poluentes, como as bicicletas. Não é, de todo, estratégico. Nem sustentável (apelo aqui para o cuidado a ter com este conceito, utilizado abusivamente).

Em sentido idêntico, não se percebe claramente se é desejável que o centro histórico seja esvaziado ou repovoado pois há um conjunto de valências de apoio social que são ignoradas, bem como o contínuo e impetuoso licenciamento de construção fora das muralhas, que faz proliferar cantos e recantos pouco comunicativos entre si. Não é expectável que um estilo de vida sustentável privilegie a propriedade privada de 2 ou 3 casas. Da mesma maneira que não é expectável que a atractividade de Évora se sobreponha à de Lisboa, sabendo ainda que há outros locais do Alentejo que felizmente procuram o seu desenvolvimento, sabendo que o saldo natural da população é negativo, sabendo que só há atractividade se houver postos de trabalho e, no caso de Évora, estes não são aumentados se não foram dadas condições excepcionais às empresas, se a universidade não sair da toca e se os excursionistas não encontrarem razões para se converterem em turistas.

Concordo, no entanto, com o Arq. Jorge Pires quando remete para a táctica política, esse «marcar de posição» da Câmara Municipal de Évora junto do órgão de gestão do QREN. É fundamental que esse financiamento seja assegurado. Mas parece-me incontornável que o sistema político diminua substancialmente o espaçamento entre consultas populares, resgatando-as dessa centralidade desbaratada nos períodos eleitorais, podendo assim beneficiar da riqueza de experiências, conhecimentos e perspectivas que debates como o de ontem podem gerar. Sem deixar de governar, bem entendido.
E nisto, creio que estão todos de acordo.

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