Franz Kafka era um homenzinho cinzento de olhos negros esbugalhados e cabelo oleoso colado ao crânio. Trabalhava numa repartição pública e dedicava-se a compilar integralmente processos e requerimentos. Essas eram as suas funções, as quais eram desempenhadas com um zelo cirúrgico e um entusiasmo enervante. O alto grau de uniformização e equidistância que caracterizava o tratamento dado pela burocracia na altura, traduzia-se num completo alheamento de Kafka pelo que, era-lhe completamente indiferente se tivesse que compilar fielmente extensos manuscritos sobre regulamentos dos edifícios públicos ou pedidos urgentes de ajuda feitos por pessoas pobres para pagar viagens à Lua com o novo serviço da Virgin.
Ali chegava de tudo. Desde o tipo que se transformou em insecto gigante e as asas não lhe permitiam passar do quarto à casa de banho, ao agrimensor que, após alguns meses sem conhecer o patrão nem as tarefas consignadas, acabou por chamar o sindicato e conseguiu uma boa indemnização. Mas também há aquele caso do indivíduo que foi obviamente confundido com outro e só descobriu que não era ele quem os outros pensavam que era quando já tinha a corda ao pescoço e se estava a urinar todo. E isso, porque alguém na plateia lhe sorriu com olhar sórdido. Ficou a meio da mija.
Mas o diligente Kafka, no exercício das suas funções públicas, transcrevia tudo como se a sua máquina de escrever fosse a ferramenta copy/paste dos nossos pc’s.
Entretanto, parece que foi recentemente reconhecido como o maior arquivista de todos os tempos da Administração Pública. Ao menos isso porque jeito para escrever era coisa que não lhe sobrava.
7 comentários:
Isso quer dizer que todas aquelas lindas analogias com a administração pública não são produto da ficção de um dos mais brilhantes escritores do século XX?
Sim! É isso!
José saramago também era funcionário público e revelou-se um excelente escritor.
Quer-me parecer que andam por ai, funcionários publicos com as suas qualidades desaproveitadas
Não encontrei nada sobre esse tema.
Será um dom?
Para ser um actor, músico, artista plástico, dizem que é necessário ter um dom.
E para ser, funcionário público?
Suportar a monotonia
Suportar as resistências, os direitos adquiridos, a antiguidade ser um posto e o completo esquecimento do objecto e objectivo da administração pública. «Não te maçes, pá».
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