15 de fevereiro de 2010

Jogadas e jogadinhas de bastidores


Com um défice das contas públicas superior a 9%, com a taxa de desemprego a rondar os dois dígitos, com um tecido empresarial fragilizado, com o sobreendividamento do Estado, das empresas e das famílias, com a economia estagnada, com a forte dependência externa, com as suspeitas de corrupção e «atentado ao Estado de Direito» pelas mais altas instâncias do país, a situação de Portugal é, eufemisticamente, inquietante.


Mas não deixam de ter a sua piada as movimentações estratégico-políticas que se fazem perfeitamente à margem do interesse nacional. Pura táctica partidária ao serviço da luta pelo poder! E pelo que este dá acesso. Desta vez, podemos agradecer estas verdadeiras alvíssaras ao caso Face Oculta.

Desde que perdeu a maioria absoluta, o governo de Sócrates perdeu a sua maior virtude: o poder de mandar sem intromissões. Assim, reeditar a moção de censura de 1987 que levou à queda do governo minoritário de Cavaco Silva e, consequentemente, à primeira maioria absoluta do PSD, não estará certamente fora dos planos de Sócrates (não parece ser homem de desmame fácil). Porque – perante a heterogeneidade da Assembleia da República e da crise do PSD – sabe que Cavaco Silva só teria uma solução: convocar eleições antecipadas. Mas esse cenário não se poderia colocar imediatamente, uma vez que a sucessão de escândalos que envolvem o governo e o primeiro-ministro conduziriam a um desastre eleitoral: é preciso deixar que a poeira assente. E porque só a partir de Abril é que Cavaco Silva pode demitir o governo ou dissolver a Assembleia da República. A janela abre-se nesse mês e termina em Novembro, a bem da dignidade ética e moral das eleições presidenciais que se avizinham.

Por isso é que, com a desfaçatez de um show off que menospreza a inteligência dos portugueses, António Costa e Capoulas Santos desafiaram a oposição a apresentar uma moção de censura ao governo. Sabem que, neste momento, para além de inútil, só viria fortalecer o governo pois passaria a dispor de alguns meses para retocar a imagem e para «pôr a justiça a funcionar»… E porque este seria o pior momento para o PSD. Mas sabem também que não é uma moção de censura o que está nos planos da oposição: BE e CDU preferem continuar com um governo minoritário e, ainda assim, com maior disponibilidade com entendimentos pontuais; PSD foi apanhado com as calças em baixo, como se disse; CDS fica na expectativa até ver solucionada a crise sucessória do PSD.

Quanto ao PSD, importa fazer «render este peixe» das escutas. Por isso será sempre a favor da criação de comissões de inquérito que atrasem o processo e lhe dê o tempo necessário para que, do congresso de Março, saia um líder forte que seja capaz de ganhar eleições e formar governo. Por isso, não lhe interessa nada resolver já esta situação. Lá para Outubro…

Neste filme, o povo é o figurante contratado para levar estalos dos actores principais e, no fim, pedir-lhes autógrafos reproduzindo a subserviência para a qual fomos educados durante séculos.

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