21 de março de 2011

Último Acto do Governo

Qual é coisa, qual é ela que antes de ser já o era? Correcto, é a pescada. E a queda do governo. Numa espécie de self fulfilling prophecy (Merton), a crise política instalou-se por ter sido tão secretamente desejada por todos os actores políticos desde que o PS perdeu a maioria absoluta que sustentava o governo na Assembleia da República. Todos perceberam que 1) um governo minoritário numa conjuntura muito difícil, liderado por 2) políticos pouco dados a conviver em regime de cooperação, teria antecipadamente os seus dias contados. Foi o Presidente da República que o segurou, procurando segurar por essa via a sua reeleição. Até quando?

Ferido no seu orgulho e pouco substantivamente, o PSD vem alertando que, depois do anúncio do PEC IV pelo governo na semana passada, «esta peça de teatro chegou ao fim». Palavras duras. Muitos ainda têm esperança que governo e PSD cheguem a um entendimento antes de o PEC IV ser levado ao parlamento... amanhã. Esse parece ser um cenário fantasioso, a menos que o PSD não seja coerente com as posições oficiais desde que negociou o anterior PEC e que veja no eventual entendimento algo mais - o interesse nacional (?) - do que a tolerância zero a um governo que, de forma desleal e desrespeitosa para com as instituições nacionais e os portugueses, informou as instituições europeias das suas intenções. «Para acalmar os mercados», dir-se-á. O próprio António Costa (presidente socialista da CM Lisboa), classificou o anúncio como o mais «desastroso», quiçá do «Hemisfério Norte». E, como já se viu, os mercados não dão sinais de acalmar e a voragem continuará para lá de todos os espartilhos que o governo vá apresentando às mijas. Até aqui, só quem se tem mantido calmo é o povo. Neste caso, a estratégia do governo em mitigar a tensão social tem dado resultados mas é impossível prever até quando.

Assim, traído pelo governo, o PSD não deverá viabilizar o PEC IV e o governo cairá, por birra do primeiro-ministro. Sobre Passos Coelho recairá o ónus de ter contribuído para a instabilidade e de ter conduzido o país a uma crise política que, presumivelmente, abrirá as portas ao FMI e ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF). A não ser que Sócrates entretanto convença a oposição que, da Cimeira Europeia da próxima quinta-feira e com o tal PEC IV na mão, sairá uma nova orientação política com o beneplácito de Berlim que desembarace o FEEF do FMI. Cenário pouco crível nesta corrida de nervos contra o tempo.

O governo, pelas palavras matutinas do ministro da presidência Pedro Silva Pereira, acusa o PSD de estar cego pelo poder e de estar a precipitar o país para um abismo. Mas, para precipitação, não chegarão as sucessivas emendas sem rumo, a continuação da despesa em sectores considerados não vitais, a teima em governar sozinho depois de admitir a necessidade de envolver a oposição, as conclusões inconsequentes atiradas para a comunicação social com base em estatísticas que não enganam ninguém e muito menos os credores?

Quanto à restante oposição, temos no CDS, no PCP e no BE as forças políticas mais coerentes. Saído de uma aclamação histriónica encenada no congresso do CDS que decorreu este fim-de-semana em Viseu, Paulo Portas afirma a pretensão a qualquer cargo de poder. E é abraçado viperinamente pelos que, com ele, estão à espreita. Interesse nacional?! Pois... PCP e BE apresentaram moções de censura ao governo (no ano passado e há duas semanas, respectivamente) com o intuito latente de o fazer cair, apesar de terem a consciência que não cairia assim. Sem se perceber muito bem qual a alternativa que teriam na manga, a não ser o reforço eleitoral de cada um porque há questões de geografia ideológica que me escapam. Mas, da esquerda à direita, todas estas forças políticas têm um amargo sabor na boca: seja com o PS ou com o PSD, as medidas de austeridade continuarão porque os problemas estruturais do país não se resolvem em dois dias (além de que é aconselhável que os seus programas políticos contem com o facto de qualquer medida ser reflexiva e interdependente), porque os credores não estão disponíveis para ser importunados com retaliações fiscais demasiado ousadas...ainda que estas se restrinjam apenas à banca nacional (da qual também são credores). É importante não esquecer que foram as instituições e os portugueses quem entrou no jogo do dinheiro a crédito. Agora, é tempo de pagar as dívidas. Além disso, com o PSD no governo, a probabilidade de haver um rumo (este, assumidamente de direita) é directamente proporcional à emergência de convulsões sociais na sequência do plano de reformas socialmente desequilibradas e desequilibradoras, num contexto particularmente adverso.

Contrariamente ao que dizia Jorge Sampaio e a esquerda, não parece haver «vida para além do défice». Como, historicamente, em qualquer agregado familiar. Porque se há coisa em que os economistas acertam, é na afirmação de que os recursos são escassos. E se, em contrapartida, há algo com que classicamente não contam (ou contavam) é com a irracionalidade dos actores. Por fim, a economia portuguesa é demasiado permeável porque à incapacidade demonstrada pelo governo em reduzir substancialmente a despesa sem que o faça à custa dos funcionários públicos, junta-se a fraca competitividade do sector privado. Essa poderá ser a grande diferença entre Portugal ou Grécia e países como a Bélgica, Inglaterra ou Itália, atolados em défices e despesas públicas superiores.
Em suma, com ou sem PEC, com ou sem FMI, com PS ou com PSD, a probabilidade de o povo continuar a ser castigado é enorme. Porque aquilo que o governo poderia ter feito já vem com três anos de atraso. Para não falar dos últimos vinte...

Mas, convenhamos, nesta altura o que o país menos precisa é de amuos e mais estratégias de sobrevivência ou prevalência partidária.

PS: há sempre a alternativa de viver sem dinheiro. Quem dá o primeiro passo?

6 comentários:

Anónimo disse...

O problema de portugal e do mundo é a má ditribuição da riqueza.
Para que um rico tenha seis piscinas, um pobre ganha uns miseros dólares que mal dá para sustentar a familia. A solução é mudar de paradigma:acabe-se com o capitaismo. Há mais para lá do lucro, do déficit, da voragem pelo dinheiro.

Como é possivel bancos com lucros milionários, no mesmo país onde estão mais de 2 milhões de pobres? como é possivel ser conivente com isto? O capitalismo é.

Eu não sou e luto contra este sistema de mercado, constiuida de mãos tentaculares vorazes de lucro.

Anónimo disse...

Hitler diria que o problema do mundo são certas raças de homens.

ARV disse...

Sim, a má distribuição é um dos problemas de portugal e do mundo... humano. um problema crónico. outro problema crónico é a complexidade humana e o paradoxo da racionalidade.

Anónimo disse...

É preciso, é urgente que aprendamos com o povo japonês, que está a dar mostras de elevado nível de solidariedade. A forma como se entreajudam é uma lição de vida

Anónimo disse...

Uma questão se me coloca, quem no meis disto tudo lucra, se houver eleições em Portugal?

Anónimo disse...

Lucram os que se movem nas entrelinhas. E os do costume. Se não ganhar um governo depois das eleições, o povo não ganha nada a não ser um falso sentimento de potência.