Qual é coisa, qual é ela que antes de ser já o era? Correcto, é a pescada. E a queda do governo. Numa espécie de self fulfilling prophecy (Merton), a crise política instalou-se por ter sido tão secretamente desejada por todos os actores políticos desde que o PS perdeu a maioria absoluta que sustentava o governo na Assembleia da República. Todos perceberam que 1) um governo minoritário numa conjuntura muito difícil, liderado por 2) políticos pouco dados a conviver em regime de cooperação, teria antecipadamente os seus dias contados. Foi o Presidente da República que o segurou, procurando segurar por essa via a sua reeleição. Até quando?
Ferido no seu orgulho e pouco substantivamente, o PSD vem alertando que, depois do anúncio do PEC IV pelo governo na semana passada, «esta peça de teatro chegou ao fim». Palavras duras. Muitos ainda têm esperança que governo e PSD cheguem a um entendimento antes de o PEC IV ser levado ao parlamento... amanhã. Esse parece ser um cenário fantasioso, a menos que o PSD não seja coerente com as posições oficiais desde que negociou o anterior PEC e que veja no eventual entendimento algo mais - o interesse nacional (?) - do que a tolerância zero a um governo que, de forma desleal e desrespeitosa para com as instituições nacionais e os portugueses, informou as instituições europeias das suas intenções. «Para acalmar os mercados», dir-se-á. O próprio António Costa (presidente socialista da CM Lisboa), classificou o anúncio como o mais «desastroso», quiçá do «Hemisfério Norte». E, como já se viu, os mercados não dão sinais de acalmar e a voragem continuará para lá de todos os espartilhos que o governo vá apresentando às mijas. Até aqui, só quem se tem mantido calmo é o povo. Neste caso, a estratégia do governo em mitigar a tensão social tem dado resultados mas é impossível prever até quando.
Assim, traído pelo governo, o PSD não deverá viabilizar o PEC IV e o governo cairá, por birra do primeiro-ministro. Sobre Passos Coelho recairá o ónus de ter contribuído para a instabilidade e de ter conduzido o país a uma crise política que, presumivelmente, abrirá as portas ao FMI e ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF). A não ser que Sócrates entretanto convença a oposição que, da Cimeira Europeia da próxima quinta-feira e com o tal PEC IV na mão, sairá uma nova orientação política com o beneplácito de Berlim que desembarace o FEEF do FMI. Cenário pouco crível nesta corrida de nervos contra o tempo.
O governo, pelas palavras matutinas do ministro da presidência Pedro Silva Pereira, acusa o PSD de estar cego pelo poder e de estar a precipitar o país para um abismo. Mas, para precipitação, não chegarão as sucessivas emendas sem rumo, a continuação da despesa em sectores considerados não vitais, a teima em governar sozinho depois de admitir a necessidade de envolver a oposição, as conclusões inconsequentes atiradas para a comunicação social com base em estatísticas que não enganam ninguém e muito menos os credores?
Quanto à restante oposição, temos no CDS, no PCP e no BE as forças políticas mais coerentes. Saído de uma aclamação histriónica encenada no congresso do CDS que decorreu este fim-de-semana em Viseu, Paulo Portas afirma a pretensão a qualquer cargo de poder. E é abraçado viperinamente pelos que, com ele, estão à espreita. Interesse nacional?! Pois... PCP e BE apresentaram moções de censura ao governo (no ano passado e há duas semanas, respectivamente) com o intuito latente de o fazer cair, apesar de terem a consciência que não cairia assim. Sem se perceber muito bem qual a alternativa que teriam na manga, a não ser o reforço eleitoral de cada um porque há questões de geografia ideológica que me escapam. Mas, da esquerda à direita, todas estas forças políticas têm um amargo sabor na boca: seja com o PS ou com o PSD, as medidas de austeridade continuarão porque os problemas estruturais do país não se resolvem em dois dias (além de que é aconselhável que os seus programas políticos contem com o facto de qualquer medida ser reflexiva e interdependente), porque os credores não estão disponíveis para ser importunados com retaliações fiscais demasiado ousadas...ainda que estas se restrinjam apenas à banca nacional (da qual também são credores). É importante não esquecer que foram as instituições e os portugueses quem entrou no jogo do dinheiro a crédito. Agora, é tempo de pagar as dívidas. Além disso, com o PSD no governo, a probabilidade de haver um rumo (este, assumidamente de direita) é directamente proporcional à emergência de convulsões sociais na sequência do plano de reformas socialmente desequilibradas e desequilibradoras, num contexto particularmente adverso.
Contrariamente ao que dizia Jorge Sampaio e a esquerda, não parece haver «vida para além do défice». Como, historicamente, em qualquer agregado familiar. Porque se há coisa em que os economistas acertam, é na afirmação de que os recursos são escassos. E se, em contrapartida, há algo com que classicamente não contam (ou contavam) é com a irracionalidade dos actores. Por fim, a economia portuguesa é demasiado permeável porque à incapacidade demonstrada pelo governo em reduzir substancialmente a despesa sem que o faça à custa dos funcionários públicos, junta-se a fraca competitividade do sector privado. Essa poderá ser a grande diferença entre Portugal ou Grécia e países como a Bélgica, Inglaterra ou Itália, atolados em défices e despesas públicas superiores.
Em suma, com ou sem PEC, com ou sem FMI, com PS ou com PSD, a probabilidade de o povo continuar a ser castigado é enorme. Porque aquilo que o governo poderia ter feito já vem com três anos de atraso. Para não falar dos últimos vinte...
Mas, convenhamos, nesta altura o que o país menos precisa é de amuos e mais estratégias de sobrevivência ou prevalência partidária.
PS: há sempre a alternativa de viver sem dinheiro. Quem dá o primeiro passo?
6 comentários:
O problema de portugal e do mundo é a má ditribuição da riqueza.
Para que um rico tenha seis piscinas, um pobre ganha uns miseros dólares que mal dá para sustentar a familia. A solução é mudar de paradigma:acabe-se com o capitaismo. Há mais para lá do lucro, do déficit, da voragem pelo dinheiro.
Como é possivel bancos com lucros milionários, no mesmo país onde estão mais de 2 milhões de pobres? como é possivel ser conivente com isto? O capitalismo é.
Eu não sou e luto contra este sistema de mercado, constiuida de mãos tentaculares vorazes de lucro.
Hitler diria que o problema do mundo são certas raças de homens.
Sim, a má distribuição é um dos problemas de portugal e do mundo... humano. um problema crónico. outro problema crónico é a complexidade humana e o paradoxo da racionalidade.
É preciso, é urgente que aprendamos com o povo japonês, que está a dar mostras de elevado nível de solidariedade. A forma como se entreajudam é uma lição de vida
Uma questão se me coloca, quem no meis disto tudo lucra, se houver eleições em Portugal?
Lucram os que se movem nas entrelinhas. E os do costume. Se não ganhar um governo depois das eleições, o povo não ganha nada a não ser um falso sentimento de potência.
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