1 de abril de 2011

Contra a inevitabilidade do pensamento único


O presidente da república anunciou ontem ao país que aceitou o pedido de demissão do governo, procedeu à dissolução da Assembleia da República e convocou eleições antecipadas para 5 de Junho. Retirou o governo do atoleiro e prepara-se para o devolver ao atoleiro em conjunto com PSD e CDS-PP (a menos que dois consigam chegar aos 50%). Partilhamos a sua preocupação com o estado do país mas eram escusados os apelos à conformidade com o pensamento ideológico dominante («não é tempo» de «utopias», «demagogias» e «populismos». Pode-se eventualmente concordar, embora sejam discutíveis as fronteiras.), ao qual não podemos deixar de imputar todas as responsabilidades. Pelo bem e pelo mal. Porque, como o sr. Cavaco Silva bem sabe, a democracia autoriza os cidadãos a pensarem e expressarem-se livremente. Logo, não é apropriado negar-lhes o direito de se manifestarem, de se indignarem e, se for caso disso, escolherem um rumo alternativo para as suas vidas. O sr. Cavaco Silva não é pai de 10 milhões de pessoas.

Pai, pai... parece ser a Europa, a União Europeia. Mas um daqueles pais ausentes que não hesitam em comprar os afectos das crianças em troca da sua ausência e de todas as expectativas que vão defraudando sempre que os seus superiores interesses o justifiquem. Raciocínio utilitarista. É nisso que consiste o euro. É nisso que consiste a solidariedade da União Europeia. De que outra forma a podemos entender hoje, esquecidas as ameaças fundadoras e alguns dos princípios de Schuman? Não podemos esquecer que foi parida pela Comunidade Económica Europeia que, por sua vez brotou da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Os fundos comunitários são trocados no mercado pelo estímulo ao consumo de bens importados da União Europeia, os quais até são estimulados pela venda de dinheiro pelos bancos alemães a taxas de juro baixas que inutilmente compensam o abandono da produção agrícola e industrial do país. Um tropeção encorajado pelas economias mais fortes. Até ao dia em que deu galo e a solidariedade se revela afinal uma medida objectivamente mensurável. Com um pé dentro da Europa e com outro pé fora dela, não resta outra alternativa nesta encruzilhada senão optar por sair ou «federalizá-la». Optar por retornar à soberania dos estados-nação ou transferi-la definitivamente para uma comunidade alargada. Estar no limbo é que não...

A culpa nunca morre solteira. Não são apenas os políticos portugueses os responsáveis por se terem deslumbrado com a possibilidade imediata de se perpetuarem no poder à custa de benefícios efémeros. Nem a população, por ter pensado que poderia confiar na moralidade ausente dos bancos (sempre que estes vendiam ferozmente sonhos mais ou menos legítimos), na competência do sistema político e na estabilidade económica. Os países europeus também têm grande responsabilidade. Antes de mais, por terem em Portugal (e nos países periféricos) um bom local para escoamento de produtos (e mão-de-obra barata, enquanto não apareceu a China) e, em segundo lugar, porque lhe devem a solidariedade proporcional à confiança que neles depositámos quando adoptámos o euro como moeda corrente. Uma ideia por muitos considerada descabida num cenário em que a complexidade política e administrativa é enorme.

Quanto à política caseira, não lhe resta outra alternativa senão moralizar-se. O governo pode começar por nomear para os cargos de direcção da Administração Pública quem tem mérito e competência. E dispensar os apparatchik cuja única função conhecida é a de controlar a posse e exercício de poder. Os partidos têm aqui uma boa oportunidade para se livrarem dos clientelismos que alimentaram durante décadas. E a justiça, uma boa oportunidade para ser efectivamente independente. Há esperança no espaço das alternativas que restam, nas zonas de incerteza. E essa só pode ser reificada pelos portugueses, desde logo, rejeitando a inevitabilidade do pensamento único.



PS: na impossibilidade de identificar o nome do autor da fotografia, não se pode deixar de aqui lhe expressar uma justa homenagem.

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