8 de julho de 2011

Rating, roubing e burring

O FMI veio e, conjuntamente com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, impôs medidas ao governo português, fosse ele qual fosse, já que o plano foi subscrito pelos três partidos com maior representação parlamentar. Na Grécia aconteceu o mesmo e, passado um ano, houve necessidade de um segundo resgate quase tão imponente como o primeiro de 115 mil milhões de euros. Porém, as garantias dadas pelas instâncias internacionais que validaram ambos os resgates financeiros não se têm mostrado suficientes para acalmar a voragem dos credores. Hoje, os títulos de dívida pública portuguesa com maturidade a três anos estavam a ser comercializados com taxas de juro perfeitamente obscenas e anacrónicas: 18,5%. Há três meses o burgo escandalizava-se com os 9% e, há um ano atrás, o então ministro das finanças – Teixeira dos Santos – assumia a necessidade de uma intervenção externa se os novos empréstimos ultrapassassem a tabela psicológica dos 7%...

Já (quase) tudo foi dito sobre a crise financeira e nem sequer sou especialista na matéria. Mas as minhas dúvidas – estruturais – não nasceram com a recente classificação de «lixo» cordialmente oferecida por uma das principais agências de rating. Não sou, portanto, um dos “novos indignados”, nas palavras do economista José Reis. E não me parece que nesta altura seja mais importante reflectir sobre se a actual crise é geoestratégica e gira em torno da dominação do euro ou do dólar ou se, por outro lado, as consequências poderiam ter sido evitadas. E podendo ter sido evitadas, é legítimo exigir aos políticos europeus que expliquem por que razão não o fizeram.

O BCE orienta a política económica da zona euro pela vitalidade das principais potências. Não é novidade nem me parece que seja absurdo. Mas parece-me completamente ilógico pretender defender o euro deixando cair qualquer economia (incluindo as mais frágeis) às mãos de mercenários, sendo certo que o desfecho conhecerá uma queda em catadupa com a própria Alemanha a sucumbir no médio prazo ao contágio de outras economias europeias. A interdependência é tal que todos têm participações nos lucros e nas dívidas de todos: materiais e morais. Ou alguém tem dúvidas sobre o resgate grego só ter avançado depois da Grécia ter dado garantias que cumpriria o negócio da compra de armamento alemão e francês com o qual se espera alimentar e tratar da saúde aos seus cidadãos?

Desiludam-se: isto só acontece porque a integração monetária e económica jamais foi efectivamente fiscalizada e monitorizada por uma integração política. Esta é matéria para uma primeira reflexão: Europa federal ou o regresso integral aos estados-nação? O modelo híbrido já provou ser nocivo, ineficiente e imoral. Os povos têm que decidir o que querem e não vai lá com negociatas parlamentares como aconteceu em França depois do referendo de 2005 ter recusado a chamada Constituição Europeia. Na Europa não pode haver meios-termos nem soluções de bordel.

Neste caso em particular, a coisa tem contornos mirambolantes, para não dizer kafkianos. Ontem, Jean-Claude Trichet teve a ousadia de enfrentar as ditas agências e declarar que o «lixo» português continuará a merecer a confiança do BCE em virtude do plano de austeridade do governo português, pronto a fazer o trabalho de casa encomendado pela chamada «troika» (coisa feia de se chamar, sobretudo se vinda do universo capitalista…). Ao fazê-lo, o presidente do BCE (secundado pela alegoria da apatia, o português Vítor Constâncio) manifestou uma desconfiança concreta na avaliação que estas agências fazem das economias. Se a desconfiança é posta nestes termos do «já estamos a ir longe de mais», significa que jamais e em tempo algum estas agências representaram um esteio de rigor pelo qual uma instituição como o BCE ou a própria Reserva Federal Americana se pudessem guiar. É uma fantasia que só um sistema autista e profundamente dependente pode alimentar. A susceptibilidade destas agências aos interesses económicos é, diria, proverbial. Erro primário: como é que instituições de regulação supra-nacionais poderiam considerar agências privadas suficientemente imparciais e credíveis como para entregar nas suas mãos a vida de milhões de pessoas? Porque é disso que se trata.

A meu ver, esta concessão ao Princípio de Mercado (ver Crítica da Razão Indolente, de BSS) representa a total subversão dos princípios e valores que fundamentam a civilização ocidental e a própria Modernidade. Foi exactamente este erro em que as autoridades europeias reincidiram ao acompanhar os humores das ditas agências, indiferentes ao sofrimento, dificuldades económicas e instabilidade política de milhões de pessoas que, longe de serem inimputáveis, foram sempre seduzidas pelas virtudes do sistema. Já lá vamos.

Aquilo que ontem o presidente do BCE disse, já o deveria ter dito no início da crise quando se percebeu que as vertiginosas taxas de juro da Grécia não desceriam nem que descesse a Virgem Maria à Terra. Ou Zeus, no caso dos gregos… Esta constatação não é só embaraçante: é vergonhosa! O problema é que, no caso concreto dos portugueses, as próprias instituições europeias foram desautorizadas pela Moody’s. Aí está a grande indignação do imbecil: foi desautorizado por uma reles agência cujos peidos, não obstante, afectam a vida de milhões de pessoas. E tudo o que está para trás? Que fazer com todas as medidas desmanteladoras idealizadas à pressa para fazer face às galopantes taxas de juro? Solidariedade europeia, sim… quando é para ter mercado e eliminar taxas alfandegárias e todas as burocracias nacionais…

Ontem, também tive a oportunidade de ouvir um tal Camilo Lourenço (opinion maker numa das rádios nacionais) a falar da inevitabilidade do mal-cheiroso rating da dívida pública se estender aos bancos. Nas palavras desse camelo, a banca sofre porque o Estado português é um gastador, incumpridor e mau pagador. Mas a verdade é que só cinco instituições bancárias portuguesas foram classificadas de igual modo. Ou seja, não há nem pode haver uma relação de causalidade entre uma e outra coisa embora se perceba a tentacular relação entre a banca e o Estado. Por outro lado, e isto parece-me essencial, enquanto o Estado português deu as boas e necessárias garantias, a banca andou a mamar como um cordeirinho em taxas de juro de 2% para vender o dinheiro aos pontapés, sem critério ou ética. Apenas e só porque os bancos tinham a sua sede em Portugal e não em Marrocos. E não falamos dos benefícios fiscais que os sucessivos governos-banana têm concedido à banca. A mesma que, logo que pôde, pôs o assunto em pratos limpos e declinou o convite para continuar a comprar dívida pública nacional: «estamos bem de saúde mas não nos apetece contribuir mais para o afundamento do Estado». Agora?!?

A mesma banca que tratou empresas e cidadãos com uma irresponsabilidade criminosa, oferecendo-lhes (nalguns caos, impondo) o céu materializado em baixas taxas de juro a serem pagas pelas gerações vindouras. Os espertos deste país (e os bancos) falam muito do sobre-endividamento das famílias, tratando-as como incompetentes e estúpidas. Certo... E o que dizer de todos os inteligentes engravatados a quem muitos lambem o traseiro e da ruína que trouxeram à Administração Pública? E às empresas, disfuncionais se não corressem para a frente como todos os outros?! Achavam-se mais espertos do que os bancos… Os bancos venderam sem critério e sem se preocupar porque, isto tem que ser dito, também eles acreditavam na inexpugnabilidade do sistema. Quem são, afinal, os burros?

A esses e aos sucessivos governos que aniquilaram a produção nacional em troca do dinheiro fácil dos vários quadros comunitários de apoio, não desejo outra coisa senão vê-los responder judicialmente pelas suas decisões. Onerosas para os cidadãos. E, quem sabe, odiosas… Isto, se ainda restar justiça neste país.

2 comentários:

Anónimo disse...

Octávio Teixeira diz que o governo cometeu crime económico ao dar as golden shares aos privados. Concordo.

Anónimo disse...

Vivemos já numa época diferente. Já estamos no século XXI, é incrivel como o tempo passa.
O pessoal da nossa geração cheia de sonhos e incertezas, pergunto-me como está agora?
Que profissões e estudos seguiram? que viagens realizaram? Que percursos de vida fizeram?

Vivemos numa época que exigirá anida mais de nós, que mundo vamos deixar aos nossos filhos? Temos de lutar agora. Porque é agora e não depois. Se no passado tinhamos ideiais e eramos revolucionários, então agora ou concretizamos ou acomodamos.

Por esse mundo fora, há revoluções e quando chega a nossa vez?

As gerações de jovens dos 30 e 40 que somos nós, temos o mundo na mão e somos nós que o construimos para as gerações futuras.

FMI vai nos arrasar, assim como a troika e este governo de direia, se não fizermos alguma coisa.