A recente profusão de programas televisivos e radiofónicos
dedicados à diáspora de portugueses espalhados por esse mundo fora com mais ou
menos sucesso, atirados pelas circunstâncias da vida à expansão ultramarina pela
realização profissional e pessoal ou pela mais prosaica sobrevivência, não pode
deixar de se ligar aos apelos do governo à «internacionalização» de jovens
qualificados cujas formações foram pagas pelas famílias e pelo próprio Estado. Mais
um bom investimento para os países de destino, outra jogada rumo à mediocridade
protagonizada pelo nosso governo democraticamente eleito.
Em primeiro lugar, estes apelos representam a oferta
generosa do Estado português a outros estados que, dessa forma, recebem profissionais
qualificados e, nalguns casos, treinados para a excelência. Em segundo lugar,
representam a desistência ao mais alto nível de activos absolutamente
necessários à reconstrução de um país, movida pela expressiva incapacidade dos
governantes em contrariar o venenoso desemprego jovem e os labirintos de vida em que os jovens portugueses se encontram, para
invocar a brilhante investigação de José Machado Pais em “Ganchos, Tachos e
Biscates”.
Tornamos, pelas piores razões, à Nau de Ícaro ensaiada por Eduardo Lourenço, projectando
coercivamente a lusofonia para lá do recatado jardim, desta vez, para os
não-lugares da sua matriz. Condenamos os jovens à diáspora, não por uma
aventureira idiossincrasia mas sim pelos mesmos motivos que justificaram a
emigração massiva de irlandeses para a América em meados do século XIX: a fome.
Contudo, no nosso caso, fazendo questão de exilar alguns dos melhores, tal e
qual como fizemos com a perseguição de judeus/cristãos novos que, enfim, um
Pombal haveria de desacertadamente «remediar» com a expulsão dos jesuítas (não houve,
nesta expulsão, qualquer retaliação pelos actos hediondos da Companhia de Jesus
mas um reles e mesquinho sentimento anti-jesuítico). Os exemplos históricos da
inversão de prioridades e desalento intelectual são numerosos, sendo talvez o
mais recente a troca do sector produtivo pelos subsídios à improdutividade: o
negócio de Fausto com o Belzebu. Esta atracção pela autodestruição já era
notada por Mouzinho da Silveira quando acusou os três séculos de parasitagem de
escravos e a consequente necessidade de “criar uma nova existência, criando os
valores pelo trabalho próprio”. Mas como?...
Não há, hoje muito mais, elites políticas à altura. À
altura, por exemplo, da capacidade demonstrada pelo país, com mais ou menos
tensões e dissabores domésticos, nos momentos em que o seu mercado de trabalho
absorveu meio milhão dos designados «retornados». Com custos, é certo, mas
entendeu-os como portugueses, proprietários de um referencial cultural
colectivo que nos caracteriza a todos. Logo, como nós próprios. Desse momento
saiu o país fortalecido. Mas depressa o esqueceu. Em contrapartida, estes novos
políticos caracterizam-se por virar a cara à luta, pela exibição da sobranceria
acoplada a um estatuto conquistado por outros, por menosprezar a construção
democrática e por atirar provincianamente a toalha ao chão perante o chamamento
dos sofisticados países que lhes servem de modelos. Durão Barroso é talvez o
exemplo acabado deste perfil, mesmo sabendo da disposição de Passos Coelho
olvidar a sua própria matriz ideológica – a liberal – em matérias tão fulcrais
como o crescimento económico. Já noutras – saúde, educação – comporta-se como o
mais tenaz neo-liberal num cenário em que as assimetrias socioeconómicas são
sulcadas a uma velocidade vigorosa.
Resta saber, porque importa, se os canais de rádio e
televisão que descrevem os exemplos de boas práticas de jovens qualificados e
bem-sucedidos no mundo, trabalham a soldo de uma inequívoca política de
esvaziamento jovem do país (a par da 3ª mais baixa taxa de natalidade do mundo)
ou se, candidamente, apenas querem mostrar aos políticos tudo aquilo que os
nossos jovens poderiam fazer em Portugal se não tivessem sido irresponsavelmente
exortados a sair sem sequer terem direito à mais elementar escolha.
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