8 de outubro de 2012

A crise do país e a crise do PS



Com o país em recessão económica, o desemprego mais do que duplicou em um ano, o número de falências de empresas e insolvências pessoais aumentou vertiginosamente, a dívida pública cresceu para quase 120% do PIB, o défice das contas públicas passeia-se pelos 5% (enquanto o governo e a Troika não o revirem em alta), não obstante todas a maldades que andam a fazer ao povo português; enquanto isso, a despesa pública foi reduzida quase em exclusivo à custa dos cortes de subsídios nos funcionários públicos e a tributação fiscal direta e indireta tem sofrido aumentos quase sem excepção, repercutindo-se no preço de bens e serviços e, evidentemente, no poder de compra das famílias. Consequentemente, o número de novos pobres aumentou, reforçando as fileiras da miséria em Portugal, o país que um dia pensou pertencer a uma Europa desenvolvida, sofisticada e solidária. E a coligação que suporta o governo não quer ficar por aqui na sua obstinação, pois o orçamento para 2013 que está a preparar promete mão escandalosamente pesada em sede de IRS e IMI; menos pesada em outras matérias como as transações financeiras...

Com toda a moderação possível nesta altura, com toda a parcimónia, não pode ocorrer a nenhum português, conclusão mais leve do que esta da receita [com que a Troika instruiu o governo para sujeitar os dez milhões de unidades de carbono que habitam neste tugúrio e que são todos os dias convidados a dele sair por um governo apátrida] ser um dos mais colossais falhanços políticos da contemporaneidade. Pior, um falhanço que, de tão incompetente e de tão lesivo dos interesses e da soberania nacional, não afasta a sombra da execução fria de um plano nebuloso engendrado para ter precisamente as consequências que estão à vista.

Perante este humilhante cenário – para o qual também o Partido Socialista contribuiu – o PS parece ainda não ter sido bafejado pelo princípio de realidade, pelo menos o suficiente para perceber que está na oposição e já não no poder. E que, tendo legítimas aspirações a regressar ao convívio do poder, não lhe será jamais perdoado pelos portugueses – espero que não – que branqueie todas as suas responsabilidades e não as assuma nos actos de contrição que sejam necessários até que todos os militantes compreendam que o partido não pode continuar a ser um bom partido mas um garante da democracia e do socialismo… debalde, o PS parece andar pela mão segura do seu secretário-geral num limbo incapacitante que o amarra aos pecados do passado (a governação, o memorando da Troika) e inviabiliza qualquer emancipação condigna.

Por estas razões, perante este grotesco cenário, não deixa de ser perturbante que o PS não saiba interpretar os inúmeros sinais de indignação e revolta dos portugueses (da esquerda à direita, empregados e patrões), os quais culminaram com a manifestação da sociedade civil no dia 15 de Setembro e com a manifestação convocada pela CGTP no dia 29 seguinte, salpicadas a todo o momento pelos apupos ao governo, ao presidente da república e pelo crescendo de intolerância dos portugueses face aos políticos. E se abstenha na votação das moções de censura do BE e CDU ao governo (discutíveis na forma por terem sido apresentadas em separado), as quais não só são uma expressão parlamentar na indignação popular como não devem ser objecto da imposição de uma cerceadora disciplina de voto.

Não deixa de ser perturbante, por fim, que o PS ande preocupado com o desafio lançado ao PSD para diminuir o número de deputados à Assembleia da República em vez de se preocupar com outras matérias decisivas e com a afirmação da sua própria matriz ideológica... 
Infelizmente, nesta altura em que vivemos, esta proposta não é totalmente desafiante do sentido de realidade porque enferma de dois males característicos não só do PS mas dos partidos portugueses em geral e, com eles, da pobre cultura política que neles é hábito observar: o tacticismo como forma sectarista de sobrevivência e a tentação da demagogia. 

Em primeiro lugar, o sofrimento, a injustiça e a revolta dos portugueses deverão parecer justificados aos olhos de António José Seguro, sobrando-lhe margem suficiente para estar mais preocupado com mesquinhas estratégias partidárias do que com a grave situação do país. É que, ao propor a redução do número de deputados e sabendo que a representatividade dos pequenos partidos sai necessariamente diminuída, sendo essa uma das razões pelas quais existem 230 deputados e não outro número qualquer que possa passar pela cabeça de qualquer um, o PS pensou desferir um golpe na coligação governamental, exigindo do PSD uma clarificação nesta matéria. Como se este assunto fosse determinante para a discussão do orçamento de estado. Sabiamente, o PSD não perdeu tempo a responder a uma demanda que até lhe deu jeito para desviar as atenções de questões essenciais e que aproveitou para dar um sinal positivo ao parceiro CDS na coligação governamental… não compreendendo o absurdo, o PS insistiu e «exigiu» que o PSD assumisse a sua posição relativamente a esta matéria como se dez milhões de portugueses, a fazer contas à vida, secundassem o PS na exigência de tão decisivo esclarecimento. Presumindo que não esteja a passar pela cabeça do António José Seguro essa messiânica e inconsequente solução do bloco central.


Em segundo lugar, de tão entretido com estas excitantes mas pueris jogadas, o PS nem sequer se deu ao trabalho de prever os danos colaterais de tão intrépida aventura, nomeadamente aqueles que relevam das acusações de populismo. Populismo demagógico por servir ao povo, em particular essa grande mole mais sensível à argumentaria da chulice parlamentar, uma panaceia com o peso de uma formiga em cima de um elefante. Depois disto segue-se o quê? Vedar aos deputados o acesso à internet?

Fica a sensação de a crise que o país atravessa não corresponder inteiramente à crise contra a qual o PS parece se esforçar por combater, a do seu umbigo.

Há muitas questões por responder numa altura em que a maioria sociológica de esquerda reivindica, mais do que nunca, uma convergência dos partidos de esquerda. Mas há uma que as esquerdas com partido e sem partido – para além de todos os portugueses – não podem deixar de fazer: há, ou não há, socialismo em Portugal?...

1 comentário:

Anónimo disse...

Veremos como reage o povo à greve de 14 de novembro, veremos até quando este governo se aguenta.