Com o país em recessão económica,
o desemprego mais do que duplicou em um ano, o número de falências de empresas
e insolvências pessoais aumentou vertiginosamente, a dívida pública cresceu
para quase 120% do PIB, o défice das contas públicas passeia-se pelos 5%
(enquanto o governo e a Troika não o revirem em alta), não obstante todas a maldades
que andam a fazer ao povo português; enquanto isso, a despesa pública foi
reduzida quase em exclusivo à custa dos cortes de subsídios nos funcionários
públicos e a tributação fiscal direta e indireta tem sofrido aumentos quase sem
excepção, repercutindo-se no preço de bens e serviços e, evidentemente, no
poder de compra das famílias. Consequentemente, o número de novos pobres
aumentou, reforçando as fileiras da miséria em Portugal, o país que um dia
pensou pertencer a uma Europa desenvolvida, sofisticada e solidária. E a
coligação que suporta o governo não quer ficar por aqui na sua obstinação, pois
o orçamento para 2013 que está a preparar promete mão escandalosamente pesada em
sede de IRS e IMI; menos pesada em outras matérias como as transações
financeiras...
Com toda a moderação possível
nesta altura, com toda a parcimónia, não pode ocorrer a nenhum português, conclusão
mais leve do que esta da receita [com que a Troika instruiu o governo para sujeitar
os dez milhões de unidades de carbono que habitam neste tugúrio e que são todos
os dias convidados a dele sair por um governo apátrida] ser um dos mais
colossais falhanços políticos da contemporaneidade. Pior, um falhanço que, de
tão incompetente e de tão lesivo dos interesses e da soberania nacional, não
afasta a sombra da execução fria de um plano nebuloso engendrado para ter
precisamente as consequências que estão à vista.
Perante este humilhante cenário –
para o qual também o Partido Socialista contribuiu – o PS parece ainda não ter sido
bafejado pelo princípio de realidade, pelo menos o suficiente para perceber que
está na oposição e já não no poder. E que, tendo legítimas aspirações a
regressar ao convívio do poder, não lhe será jamais perdoado pelos portugueses –
espero que não – que branqueie todas as suas responsabilidades e não as assuma
nos actos de contrição que sejam necessários até que todos os militantes compreendam
que o partido não pode continuar a ser um bom
partido mas um garante da democracia e do socialismo… debalde, o PS parece andar
pela mão segura do seu secretário-geral num limbo incapacitante que o amarra
aos pecados do passado (a governação, o memorando da Troika) e inviabiliza
qualquer emancipação condigna.
Por estas razões, perante este grotesco
cenário, não deixa de ser perturbante que o PS não saiba interpretar os
inúmeros sinais de indignação e revolta dos portugueses (da esquerda à direita,
empregados e patrões), os quais culminaram com a manifestação da sociedade
civil no dia 15 de Setembro e com a manifestação convocada pela CGTP no dia 29
seguinte, salpicadas a todo o momento pelos apupos ao governo, ao presidente da
república e pelo crescendo de intolerância dos portugueses face aos políticos. E
se abstenha na votação das moções de censura do BE e CDU ao governo
(discutíveis na forma por terem sido apresentadas em separado), as quais não só
são uma expressão parlamentar na indignação popular como não devem ser objecto
da imposição de uma cerceadora disciplina de voto.
Não deixa de ser perturbante, por
fim, que o PS ande preocupado com o desafio lançado ao PSD para diminuir o
número de deputados à Assembleia da República em vez de se preocupar com outras
matérias decisivas e com a afirmação da sua própria matriz ideológica...
Infelizmente, nesta altura em que
vivemos, esta proposta não é totalmente desafiante do sentido de realidade
porque enferma de dois males característicos não só do PS mas dos partidos
portugueses em geral e, com eles, da pobre cultura política que neles é hábito
observar: o tacticismo como forma sectarista de sobrevivência e a tentação da
demagogia.
Em primeiro lugar, o sofrimento,
a injustiça e a revolta dos portugueses deverão parecer justificados aos olhos
de António José Seguro, sobrando-lhe margem suficiente para estar mais
preocupado com mesquinhas estratégias partidárias do que com a grave situação
do país. É que, ao propor a redução do número de deputados e sabendo que a
representatividade dos pequenos partidos sai necessariamente diminuída, sendo
essa uma das razões pelas quais existem 230 deputados e não outro número
qualquer que possa passar pela cabeça de qualquer um, o PS pensou desferir um
golpe na coligação governamental, exigindo do PSD uma clarificação nesta
matéria. Como se este assunto fosse determinante para a discussão do orçamento
de estado. Sabiamente, o PSD não perdeu tempo a responder a uma demanda que até
lhe deu jeito para desviar as atenções de questões essenciais e que aproveitou
para dar um sinal positivo ao parceiro CDS na coligação governamental… não compreendendo
o absurdo, o PS insistiu e «exigiu» que o PSD assumisse a sua posição
relativamente a esta matéria como se dez milhões de portugueses, a fazer contas
à vida, secundassem o PS na exigência de tão decisivo esclarecimento. Presumindo que não esteja a
passar pela cabeça do António José Seguro essa messiânica e inconsequente
solução do bloco central.
Em segundo lugar, de tão
entretido com estas excitantes mas pueris jogadas, o PS nem sequer se deu ao
trabalho de prever os danos colaterais de tão intrépida aventura, nomeadamente
aqueles que relevam das acusações de populismo. Populismo demagógico por servir
ao povo, em particular essa grande mole mais sensível à argumentaria da chulice
parlamentar, uma panaceia com o peso de uma formiga em cima de um elefante. Depois
disto segue-se o quê? Vedar aos deputados o acesso à internet?
Fica a sensação de a crise que o país atravessa não corresponder inteiramente à crise contra a qual o PS parece se esforçar por combater, a do seu umbigo.
Fica a sensação de a crise que o país atravessa não corresponder inteiramente à crise contra a qual o PS parece se esforçar por combater, a do seu umbigo.
Há muitas questões por responder numa altura em que a maioria sociológica de esquerda reivindica, mais
do que nunca, uma convergência dos partidos de esquerda. Mas há uma que as
esquerdas com partido e sem partido – para além de todos os portugueses – não
podem deixar de fazer: há, ou não há, socialismo em Portugal?...
1 comentário:
Veremos como reage o povo à greve de 14 de novembro, veremos até quando este governo se aguenta.
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