21 de junho de 2007

Évora

ADVERTÊNCIA: Este post foi escrito na sequência de um artigo publicado em Diana FM. Para além disso… não creio que tenha linguagem obscena pelo que, qualquer um o pode ler.


Não restam grandes dúvidas sobre a vocação de Évora para o turismo. Nomeadamente, para o chamado turismo de qualidade – que não significa necessariamente turismo de luxo nem monocultura do turismo – o qual se confunde em parte com a dinamização cultural de um lugar. Cada vez mais, as rotas turísticas internacionais apontam para o casamento entre aquilo que poderemos chamar a cultura material (património arquitectónico, a gastronomia, o artesanato, etc.) e a denominada cultura imaterial (usos e costumes, desenvolvimento e manifestação de actividades artísticas de rua e nos teatros, auditórios, etc.).

Claro que, face à descoincidência entre aquelas duas dimensões e as estratégias, estamos pouco acima do groud zero em matéria de planeamento estratégico e articulação prática entre os diversos intervenientes culturais, hoteleiros, comerciais, institucionais e associativos.

Não obstante, Évora tem tudo. Tem uma cultura invejável, que é a do Alentejo e tem, também, infra-estruturas; embora por vezes tenhamos a tendência para obliterar esse facto, escudando-nos nas megalomanias disfuncionais e desérticas que proliferam por esse país fora.

Com efeito, dispomos de um dos mais belos teatros do país; de razoáveis auditórios na CCDR, Fundação Eugénio de Almeida e Universidade que, dão garantias para colóquios e seminários nacionais e internacionais; temos o Soror Mariana, as instalações da Academia de Música Eborense; temos galerias de arte e salas de exposições; temos um edifício monumental - Salão Central - que pode recuperar a dignidade de outrora, tal como a sede emprestada da Harmonia, localizada no coração da cidade; temos os ex-celeiros da EPAC onde associações como a Pé-de-Xumbo, A Bruxa Teatro e a Sociedade Harmonia Eborense desenvolvem regulares e notáveis actividades (peças de teatro, concertos, workshops); temos colectividades musicais, grupos corais e um renovado Convento dos Remédios; temos uma companhia profissional de teatro com reconhecidos méritos, algumas companhias de teatro amador, cineclubes e outros agentes culturais mais ou menos anónimos; temos a BIME, temos o FIKE; temos o Mercado Municipal; temos a Fábrica da Música e companhias de dança; temos salões de colectividades na cidade e nas freguesias rurais que nos dão garantias para descentralizar acções; temos um jardim público, temos praças deslumbrantes, temos igrejas onde podem ser apresentadas exposições, concertos, etc; temos o Convento do Carmo; temos hotéis para todos os gostos, carteiras e potencialidades; temos equipamentos desportivos de clubes e associações que podem muito bem ser rentabilizados como contrapartida pela contribuição pública que recebem; temos artesãos e as suas próprias galerias; temos uma instituição universitária que importa e é urgente apoiar, aproveitando justamente todo o potencial que os docentes e alunos têm, seja no domínio científico, seja no campo das artes performativas; e podia aqui enumerar tantos outros exemplos...

Temos, enfim, a cidade de Évora; temos todos nós porque, de um modo ou outro, nos pertence a todos. E é isto, precisamente tudo isto, que apaixona quem nos visita e que se pode revelar uma vantagem (para além das já estafadas argumentações das acessibilidades, do enquadramento geográfico, da segurança, do clima, etc).

E vamos ter também um novo pavilhão multiusos, capaz de albergar muitos espectadores e alguma variedade de eventos. Neste como em outros equipamentos municipais, é necessário encontrar sinergias entre todos, de modo a que todos estes equipamentos estejam abertos à população e visitantes e que, transpirem o bulício diário a quem os visita, esse bulício quotidiano da preparação cenográfica de uma peça de teatro, do workshop de cinema para crianças, do ensaio geral de uma orquestra ou da simples montagem de uma exposição de escultura para enriquecer uma mostra de produtos regionais.

Sem ponta de ironia, basta que tenhamos um pouco de imaginação para rentabilizar os espaços e o que é produzido pela sociedade civil através de associações, empresas, companhias, grupos e grupelhos.

Por conseguinte, não é falta de infra-estruturas que temos. Olhe-se para cidades europeias hiper atractivas do ponto de vista cultural como Praga ou Barcelona, onde antigas fábricas e oficinas dão lugar a salas de exposições, de concertos e colóquios.

Falta sim, um arranjo estratégico, um plano. Exequível, mobilizador, funcional e atractivo, cujas acções complementem a riqueza da paisagem, da monumentalidade e dos costumes desta terra. Que se aproveite o que há e, seja articulado organizadamente e, que se mostre ao mundo a dimensão de uma terra com as marcas de algumas das mais extraordinárias civilizações de que há memória.

Falta também um compromisso das entidades públicas e privadas com a execução desse plano. E rigor. Rigor, criatividade e simpatia, pois não é ração para bestas o que vendemos (com o devido respeito pelos vendedores de ração).

E tudo isto para quê? Para que as pessoas vivam melhor no futuro. Apenas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Évora, cidade ímpar, exala em cada uma das artérias do seu centro histórico (porque a envolvente nem sequer me merece referência) a sua unicidade. De facto tem tudo aquilo que enunciaste.
Mas eu iria um pouco mais além e para uma cidade património mundial tem muita falta de qualidade nos serviços (lanço um repto: tentem jantar no centro histórico ao domingo!), tem falta de valorização das edificações (lembro longínquo ano de 95 quando deambulava pelo centro histórico completamente encantada com as casas; eu que sou completamente campónia), mas sobretudo tem falta de pessoas. São as pessoas que vivenciam e dão vida aos espaços públicos, aos edifícios...às varandas.
A vocação turística de um espaço advém da forma como nos é possível vivênciá-lo.
À noite em Barcelona as pessoas andam nas ruas só pelo simples facto de verem gente, sentirem vida...
Não comparável, mas interessante (mesmo apaixonante): reparem nos esforço de revitalização do espaço público feito em Arraiolos e, nos efeitos colaterais que têm daqui decorrido...

P.S: Não será possível pensar a cidade, enquanto se olhar para Èvora como o Centro Histórico, os bairros e as quintinhas...

ARV disse...

Sem dúvida malmequers, são as pessoas e para as pessoas; e o centro histórico têm-nas aos magotes apesar de já quase não viver ninguém dentro das muralhas. Mas milhares de pessoas afluem e refluem diariamente aos principais pontos nevrálgicos da cidade.
Claro que não há cidades sem pessoas, mas julgo que já muita gente compreendeu isso.

O que falava no post, dizia respeito a um plano estratégico de desenvolvimento que desse uma prioritária atenção à cultura enquanto âncora de desenvolvimento, enquanto estrela polar. Depende de muitos outros factores que aqui não cabem (até porque tenho a tendência a distender um bocado demais a coisa...), como com o PDM e a própria definição de incentivos ou benefícios com vista ao repovoamento do centro histórico.

Em todo o caso, Évora também vale pelas quintinhas (embora saiba que não às tangíveis que te estavas a referir), para, de uma forma integrada, mostrar ao mundo que Évora é bem mais do que calhaus esculpidos e assentes uns sobre os outros, é bem mais do que presunto, chouriço e uma sopa de cação (que adoro, em todo o caso).

Agradecido pelo contributo da «campónia».

Anónimo disse...

gosto das intenções do post. tanto como da linguagem descomplexada que denota vivamente um individuo interessado em ter oportunidades para produzir mudanças, sobretudo, como sublinhas, no imaterial, pois o material já existe. todavia, concordo com a campónia, o que faltam são pessoas, parece-me que é exactamente isso, ou, melhor, há muitas pessoas, mas são as "erradas", ou fazem coisas que deviam ser outros a fazer. pensemos nisso. esta câmara tomou um número de decisões em matéria "imaterial" que me levam mais a equacionar como provavelmente verdadeira a segunda hipótese: a das pessoas erradas, ou, melhor, as pessoas "gastas". gastas de fazer coisas, gastas de não fazer coisas, enfim, gastas de fazer coisas erradas, ou da forma errada. por isso, é/será de louvar a introdução de pessoas novas, a fazer coisas novas - não necessariamente a inventar coisas - com sentido, com intenção, e aí, sim as coisas podem mudar. seria muito bom.

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