15 de junho de 2008

Meios-universos ideológicos


No período que sucedeu à revolução de 1974, até à extinção do Conselho da Revolução, em 1982, o espaço político à direita tornou-se apertado para os seus inquilinos. Compreensivelmente. Ensombrado pelas reminiscências do fascismo, o universo ideológico português continuou formalmente comprimido [agora pela esquerda] e, em consequência disso, a direita conservadora e cristã passou a ser conhecida por um impreciso Centro Democrático Social (CDS).

Os que viveram o PREC – Processo Revolucionário Em Curso – assistiram à fusão do sonho emancipador com o regresso do delito de opinião num curto espaço de tempo e ao arrepio dos ideais. O mundo estava dividido ao meio: os revolucionários e os reaccionários.

Há episódios incríveis como, por exemplo, o Estatuto Editorial do Diário de Notícias, cuja linha informativa se devia confinar aos «objectivos do processo revolucionário em curso para a construção e defesa da sociedade socialista em que está solidariamente comprometido».
Um compromisso ideológico num jornal que se pretendia isento e democrático representa, por si só, uma contradição insuperável porque um dos pilares em que assenta a democracia é justamente o das liberdades e garantias, com a liberdade de expressão à cabeça. Ora, se existe um processo democrático, este pode ou não ser coincidente com o caminho para o socialismo. Mas não o «tem que ser» obrigatoriamente, sob pena de deixar de ser democrático.

O comprometimento do Diário de Notícias com o PREC, por um lado, e a exiguidade a que foi votada a direita, por outro, são expressos num editorial de 26 de Junho de 1975, assinado por José Saramago. Nele, o agora Nobel da Literatura não poupa Freitas do Amaral, depois de umas declarações deste a respeito da imagem «positiva, confiante e promissora» da revolução portuguesa no estrangeiro, dada pelo CDS. Declarações aparentemente inócuas.

Saramago considera contraditória a subscrição do Pacto MFA-Partidos pelo CDS, uma vez que o socialismo não é tido pelos democratas cristãos como uma via particularmente entusiasmante. O ataque seguinte, sob a forma de arrogante demonstração, é demolidor: “se não quer o socialismo e quer vir a ser governo, só o poderá ser apoiado numa força e contra todos os outros partidos, mais o MFA. Se conta com uma força, essa só pode ser a reacção, seja qual for a forma que esta revista. Logo, o Centro Democrático Social é um partido reaccionário que teve a franqueza de vir dizer-nos que esta democracia não lhe convém”.

De novo contraproducentemente, parece agora reduzir-se o espaço político à esquerda. Há a direita, há a «esquerda moderna» e há, também, o imenso casario da demagogia. Não obstante, o CDS (agora também PP), continua a ser uma força política com pouca expressão eleitoral, antes puxada para a esquerda, hoje empurrada para a direita.

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