1 de julho de 2010

Naufrágio adiado

Nesta altura da ida a banhos – «cá dentro», conforme a «especializada» e protectora sugestão do Presidente da República, Aníbal Silva – o interior do país assume definitivamente o estatuto de quintal das traseiras, só contrariado por uma ou outra calorosa festa do emigrante. Em contrapartida, o litoral fica irrespirável, intransitável e intratável.

Para além das consequências reais sofridas pelas regiões do interior do país, a litoralização do território português poderia representar uma espécie de fuga simbólica da Europa - que até podia ser real se não estivéssemos profundamente comprometidos com o «projecto europeu», pelo menos enquanto este nos continuar a sustentar. Caso Espanha não fosse um paradigma no desenvolvimento de novas centralidades e autonomias regionais, até podíamos pensar mais seriamente a Península Ibérica inspirada na metáfora de Saramago em Jangada de Pedra. De regresso à fuga simbólica da Europa (representada pela desconvergência em quase todos os índices, que vão do PIB per capita ao número de licenciados), é como se estivéssemos ensanduichados entre a espada – a ameaça continental – e a parede – o des-conhecido mar. Mar de esperanças e ousadias mas também de perigos suficientemente dissuasores e comprometedores do conforto da orla costeira.

E até podíamos pensar, simbolicamente também, que a «parede» funciona como um meio indutor da fuga, tipo grinder que esmaga lentamente e tritura este naco de carne: fuga da espada (como aconteceu com as invasões napoleónicas e a saída estratégica da corte para o Brasil); e fuga de nós próprios (a nossa vocação marítima e a atracção pela fartura que prometia o além-mar mas, também, a habitual projecção do sentimento da gloriosa nacionalidade nos «embaixadores» do sucesso como José Mourinho, Cristiano Ronaldo, António Damásio, José Saramago, a selecção de futebol, o pastel de nata numa cafetaria de Nova Iorque e a opção ocasional de um qualquer «artista» de Hollywood por um par de sapatos made in portugal), embora hoje já ninguém se lance às cegas no desconhecido... a não ser os outros, os quem vêm do Hemisfério Sul que, como se sabe, começa ali logo no Norte de África…

As preocupações políticas com o recuo do interior são públicas e, de tempos a tempos, regressa a conversa da regionalização, prometem-se medidas de discriminação positiva, ensaiam-se truques de atractividade no interior (como essa coisa fastidiosa do turismo de qualidade para ricaços sem tempo para safaris no Quénia). Porém, a situação não se inverte e, pese embora as assimetrias cavadas entre as populações, temos uma nação inteira acotovelada ao longo da folha de alface que constitui o litoral.

Prestes a naufragar a bombordo, de barriga vazia mas vestidos com fato de banho e caipirinha (nos anos 60 era o uísque, bebida sofisticada de gente fina...).

5 comentários:

Anónimo disse...

Ainda não percebi porque razão évora não desenvolve as suas potencialidades turisticas?

Anónimo disse...

talvez por não haver uma estratégia de operacionalização mas apenas uma «estratégia» de intenção.

Anónimo disse...

De intenções está o povo farto, é preciso agir

Anónimo disse...

porque é que badajoz é mais desenvolvido que évora? será porque as pessoas também são muito diferentes?

Anónimo disse...

São precisas ideias inovadoras que façam mexer portugal.
Algo que faça a diferença. Mais do mesmo não obrigado.
Pensar o turismo de forma diferente, dar vida ás cidades, construir cidades mais ambientalmente sãs, cidades ricas em cultura e conhecimento.
Mas se a maioria dos portugueses é o que é, com mentalidades retrogradas e ,esquinhas, mais preocupado em parecer que ser