24 de janeiro de 2005

Representatividade e governabilidade: conclusão

Na sequência de posts anteriores que animaram este espaço num monólogo sobre círculos uninominais e plurinominais ("listas e círculos uninominais: a salvação"; "ainda a governabilidade"; e "lista, descrédito e afastamento da política"), cujos principais objectivos se restringiam à reflexão crítica, transmissão de informação e se possível algum debate de ideias, cabe agora «fechar» o tema (este fecho será sempre condicional, in tenui labor). Advertimos todavia que o debate em torno da crise de representatividade é naturalmente mais amplo e por isso jamais se esgotaria em meia dúzia de palavras.
Não é por acaso que Augusto Santos Silva, António Barreto, o PS e até PSD simpatizam com a ideia dos círculos uninominais: a regra maioritária em cada círculo favorece a eleição de 1 deputado que seria proveniente desses partidos. Esta situação, aliada à tendência bipolar existente, resultaria numa enorme dificuldade para os restantes partidos elegerem deputados. Tenho aliás a convicção, meramente intuitiva, de que o BE perderia os 3 deputados actuais.
É certo que em tese, os círculos uninominais comportam um tipo de representatividade mais próximo da população e mais responsável perante esta. Mas isso funciona, como se disse, em teoria; ou em países com cultura política ligeiramente diversa da nossa. Portugal continua a ser um país profundamente assimétrico e distante da homogeneidade cultural falaciosamente assumida. Convém náo esquecer que a formação da III República portuguesa é pensada em termos da representação proporcional, do multipartidarismo e naturalmente pouco entusiasta com concentrações de poder E sejamos francos: para além das condições materiais de existência, pouco mudou em Portugal e nos portugueses. Mas em condições ideais, os círculos uninominais seriam o modelo de representatividade menos distante da democracia directa. Nesses termos, os argumentos de Barreto e Santos Silva seriam mais razoáveis: a minha discordância colocava-se somente na passagem do modelo à realidade. E mantém-se.
Ora, é certo que a divisão bipartida da condução de um navio, cria obviamente melhores condições de governabilidade: basta dividir por dois turnos, nos quais, cada um dos capitães é soberano durante um certo período de tempo da viagem e assim vão alternando. Melhores condições só são possíveis com um só capitão, mas esse modelo já nos foi servido durante séculos de monarquia e décadas de salazarismo. Os resultados não foram os melhores, a não ser para aquela minoria bem alimentada e melhor descrita em "O Princípe" ou em "Ivan O Terrível".
O problema coloca-se quando uma grande parcela dos marinheiros não se revê nas opções de rumo tomadas ora por um, ora por outro capitão e se vêem na limitação de, ainda assim, ter que anuir com as mesmas.
PS: É esse o dilema em que nos colocam aqueles que inscreveram num período eleitoral questões desta natureza, escamoteando de algum modo as questões que supostamente deveriam animar por esta altura o debate político. Cheira um pouco a desvio de atenções, mas tudo bem, pode ser só um problema de olfacto.

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